terça-feira, 8 de junho de 2010

A Revolução do mês que vem

A academia brasileira (e o currículo das escolas, em geral) adora a Revolução Francesa, de 1789.

Essa revolução, com seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, é tratada nos meios intelectuais como uma espécie de divisão de águas na história mundial. O começo exemplar de um movimento que teria inspirado a luta contra a opressão em vários momentos da história.

Mas a mesma Revolução Francesa que nos deu o refrão “liberdade, igualdade e fraternidade” é também a revolução que nos deu o conceito de Terror(ismo); que inaugurou a fase do absolutismo popular, sendo considerada por muitos a mãe ideológica dos fascismos populares e das experiências (genocidas) de reengenharia social do século XX...

Além disso, é justo dizer que, apesar de seus ideais, a Revolução Francesa não conseguiu criar um modelo de governo estável e duradouro, mas a uma confusão política tão intensa, que levou à tomada de poder por Napoleão — mas isso já é outra história.

Liberdade, igualdade e fraternidade para os peitos das francesas


Apesar disso, em princípio, nada contra o reconhecimento da importância (simbólica, inclusive) que a Revolução Francesa certamente tem. O problema é que essa exaltação muitas vezes acaba por resultar em uma diminuição ou desprezo pela importância de outros eventos históricos tão ou talvez mais importantes para a história mundial do que a Revolução Francesa. Como uma revolução que ocorreu treze anos antes, do outro lado do oceano...

Gostemos dos Estados Unidos de hoje ou não, é um fato mensurável objetivamente que a Revolução Americana de 1776 teve uma importância (ou impacto) bem maior do que a Francesa para os destinos mundiais.

Em primeiro lugar, porque os seus ideais de liberdade inclusive influenciaram parcialmente a Revolução Francesa e diversas outras lutas por liberdade, como, por exemplo, a luta contra a escravidão.

Em segundo lugar, porque a Revolução Americana representou a primeira vez que uma colônia européia alcançou, através de um ato de revolta, a independência em relação à sua metrópole.

Em terceiro lugar, porque essa independência foi celebrada em um documento, de tipo inédito, que não só declarava a sua própria independência, mas proclamava o direito à independência e à livre escolha por parte de cada povo e cada pessoa.

Em quarto lugar, porque instaurava um novo país, baseando numa relação federativa que dava grande independência a cada um de seus estados e...

... em quinto lugar, porque fundou o primeiro país do mundo estabelecido por uma Constituição escrita. E por uma Constituição que estabelecia os direitos de seus cidadãos, que se definiam os limites dos poderes estaduais e federais, e que estabelecia um sistema de equilíbrio entre os poderes legislativo, judiciário e executivo, de modo a impedir a supremacia de qualquer um deles. Um sistema político estável e duradouro, que se tornou modelo para todo o ocidente.

Em sexto lugar, porque o exemplo americano influenciou revoluções posteriores na Europa e na América Latina, que resultaram na independência de outras colônias européias, como o próprio Brasil. Os EUA, inclusive, foram o primeiro país do mundo a reconhecer nossa independência.


Estátua da Liberdade (réplica) em Paris

Gostemos ou não dos americanos, reconhecer a importância da Revolução de 1776 não é questão ideológica, mas de fazer justiça aos fatos históricos.

Mas por que, então, não se dá tanta importância a ela na nossa academia, que prefere cultuar a Revolução Francesa? Há vários motivos, ligados tanto à visão ideológica quanto à tradição. Um dos aspectos é que se consolidou uma visão de que homenagear ou reconhecer aspectos elogiáveis da história americana corresponde a “submissão cultural” ou “subserviência ao imperialismo” ou mesmo “falta de patriotismo”. Os argumentos são fracos. Por que comemorar a Revolução Francesa ou a Revolução Russa (duas revoluções que os anti-americanistas tanto cultuam) seria menos anti-patriótico do que celebrar a Revolução Americana?

Independentemente da lógica, é fato que a maioria dos brasileiros escolarizados adora música americana, adora cinema americano, adora comida americana, adora literatura americana, mas reproduz acriticamente o discurso de que reconhecer a importância do papel americano na história mundial é coisa patética.

Tudo não é relativo celebra a importância histórica da Revolução de 1776, cujo aniversário se comemora em menos de um mês, no dia 4 de julho.

Consideramos estas verdades como auto-evidentes, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a busca pela felicidade.”(Declaração de Independência dos Estados Unidos)

(Tudo não é relativo, entretanto, vai continuar torcendo para o Brasil na Copa do Mundo, como bom brasileiro que é.)

Primeira bandeira dos “Estados Unidos do Brasil”,
nome que o nosso país teve de 1891 a 1969.



[Publicado originalmente em 08 de junho de 2010. Ressuscitado em 13 de julho de 2017]
 
Nós confiamos em Deus; quanto aos outros, que paguem à vista.