A Lingüística é definida como o estudo científico da linguagem humana. Possui uma postura descritivo-explicativa. Ou seja, tem como foco a descoberta do funcionamento real das línguas particulares e da linguagem em geral (embora às vezes alguns socialistas queiram transformar essa ciência em mero instrumento de transformação político-social).
Como ciência independente, a Lingüística surge no século XIX, com o estudo sistemático de línguas diversas com o objetivo comparativo, de modo a identificar e delimitar as relações de parentesco entre elas e descrever os processos de mudança sofridos ao longo do tempo, de modo a identificar os estágios anteriores de onde essas línguas procederam.
Vários lingüistas do século XIX tinham plena consciência da importância que teve o cristianismo ao longo da história para o desenvolvimento dos estudos lingüísticos. Max Müller chegava ao exagero de declarar que a Lingüística nasceu no Dia de Pentecostes, pois o cristianismo cria uma série de mudanças culturais sem as quais os estudos lingüísticos, como conhecemos hoje, seriam impossíveis.
Abaixo, aponto resumidamente cinco contribuições do Cristianismo para o desenvolvimento das ciências da linguagem:
1) O CONCEITO DE HUMANIDADE
Com o Cristianismo, há mudança radical na visão antiga em relação aos demais povos, com o surgimento do conceito de humanidade. No mundo antigo, prevalecia a visão nacional/racial que criava uma separação entre "nós" e "os demais povos", que eram considerados "bárbaros". Isso bloqueava, inclusive, o interesse pelo estudo teórico de línguas de outros povos e pela comparação de afinidades entre essas línguas. Apenas com o conceito de irmandade universal entre os homens, é que se abre a porta para o interesse pelo estudo de outras línguas e pelas relações de afinidade entre elas.
2) A BUSCA PELA LÍNGUA DE ADAM
A tentativa de identificação de qual teria sido a língua original da humanidade é abertamente criticada por um dos maiores intelectuais do Cristianismo, Santo Agostinho, que aponta explicitamente a vacuidade dessa busca, uma vez que a língua original não poderia mais existir depois da confusão das línguas em Babel.
Apesar dessa advertência agostiana, houve autores posteriores que tentaram identificar entre as línguas contemporâneas qual delas seria a língua original da humanidade. Muitos sugeriam o hebraico, mas várias outras línguas (inclusive o holandês!) foram apontadas como candidatas.
Apesar de se basear em conceitos absurdos, essa busca possibilitou um interesse pela análise comparativa entre línguas e as tentativas futuras de estabelecimento de filiações entre as línguas, que está no germe da perspectiva histórico-comparativista que surge no século XIX.
3) A MISSÃO EDUCACIONAL
A ênfase da doutrina cristã na caridade se manifestou também em uma visão de dever educacional dos povos. Várias ordens religiosas criaram escolas para fornecer ao menos rudimentos educacionais para a população interessada. A preservação de livros e bibliotecas foi praticamente tarefa exclusiva da Igreja e dos monges.
Essa postura educacional também levou à criação de vários alfabetos para línguas locais, dentro e fora do território do antigo Império Romano, o que seria impossível no mundo pré-cristão.
4) A MISSÃO MISSIONÁRIA
Outra contribuição importante veio da missão missionária de levar o cristianismo aos demais povos. Esse objetivo levou ao um aumento do estudo de línguas de outros povos, especialmente após as grandes navegações, de modo a permitir a pregação do Evangelho.
Esses estudos também levaram ao esforço de criação de gramáticas descritivas e pedagógicas de línguas indígenas de outros continentes.
5) O ESTUDO DA CULTURA HINDU
A quinta contribuição faz parte da missão missionária apontada no item 4, mas merece um destaque muito maior, devido à importância dos estudos hindus para o desenvolvimento da ciência lingüística. Como conseqüência do interesse de propagação do Evangelho na Índia, vários missionários e intelectuais cristãos se lançaram ao estudo sistemático da cultura, das línguas, religião e literatura hindu. A diferença particular da atividade missionária na Índia vinha do fato de os cristãos se depararam com uma cultura sacerdotal altamente preparada intelectualmente, o que exigia um estudo profundo dessa cultura de modo a permitir o debate e a pregação.
Esse estudo foi o impulso inicial para a tradução, análise, comentários das obras hindus que levaram à descoberta das semelhanças entre a língua sânscrita e outras línguas antigas, como o grego, latim, persa e germânico. Isso criou a motivação inicial para o desenvolvimento dos estudos comparativistas, mas também os materiais iniciais sobre os quais estes estudos se debruçaram.