quinta-feira, 2 de novembro de 2017

Uma aula socialmente correta

[Postado originalmente em 09/08/2012. Ressuscitado em 02/11/2017]

O professor (geralmente de língua portuguesa) leva aos alunos um texto para leitura. No texto, há um relato de alguma situação tocante, chocante. Por exemplo: um “bicho” vasculhando um monte de lixo procurando por comida. Após a descrição da situação sub-humana vivida por tal miserável animal, vem a revelação ao final do texto: o “bicho” era... um homem [*] um ser humano.

O professor, assim, cumpre o seu papel de despertar os aluninhos para os problemas sociais do país e prossegue em sua tentativa de moldar as cabecinhas das crianças para adquirirem “consciência crítica”. Como ele faz isso? Ora, ele levanta a discussão — com crianças de nove, dez anos — sobre as causas macro-econômicas, macro-políticas e macro-históricas para tal homem não ter o que comer e estar procurando comida no lixo.

(Tudo tem que ser macro. Não existe espaço para a compreensão de dramas e tragédias pessoais, das circunstâncias que nos tornam humanos e vulneráveis. Tudo é macro.)

Em seguida, o professor discute com os alunos que mudanças deveriam ser feitas no país, no governo, na sociedade, na ONU, em suma, no planeta inteiro (!!!) para transformar completamente o mundo em que vivemos e criar um mundo inteiramente diferente, onde todos os seres humanos estarão completamente livres de sofrimentos, da fome, da pobreza, da tristeza e de quaisquer outras mazelas imagináveis...



Atenção especial é dedicada a pôr a culpa “no governo” (a menos que o professor tenha votado no partido do novo governante...), “na sociedade” (seja lá quem ela for...) e “no sistema” (seja lá quem ele for...).

Em todo esse lindo espetáculo do despertar a consciência social de milhões de criancinhas em milhares de salas de aula em todo o país, apenas uma única atitude não é jamais levantada, cogitada ou sugerida: ninguém diz que a melhor forma de matar a fome daquele mendigo específico é levantar a bunda da cadeira, andar até ele e dar-lhe um pedaço de pão, um sanduíche, um prato de sopa ou uma mísera nota de dois reais.

E as nossas crianças crescem achando que é mais fácil reformar o planeta inteiro (o que pressupõe possuir poder supremo sobre toda a humanidade) do que tirar uma moeda do bolso. Isso é o que a escola e as universidades chamam de “ter consciência social”. No mundo real, isso se chama totalitarismo.

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Nota:
*Esse trecho foi suprimido por ser obviamente machista.

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Nós confiamos em Deus; quanto aos outros, que paguem à vista.